segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Crônicas de Agartha: As viagens de Varegue, o Jovem

Hoje acordei com pouca disposição. Agradeci a Gaia pela primavera ter chegado quando deveria, mas a idéia de sair em aventuras não me agrada. Eu, Varegue, o jovem sou um escolástico, não aventureiro.

A cidade de Porto Santa Daoidh é uma daquelas cidadezinhas costeiras de areia escura e praias pedregosas. Não são praias para se levar donzelas e trocar confidências, nem praias para se apreciar o nascer do sol, mas são boas para medir o caminhar das luas, ver as estrelas e estudar. Porto Santa Daoidh é uma comunidade pesqueira convertida à fé dos santos, mas é o lar da maior torre de magia do sul da Arcádia.

Vivo aqui a mais de dois anos, mas é a segunda vez que passeio por estas ruas. A primeira foi quando cheguei da fazenda de meus pais, assim que chegamos à Torre do Desvelo, passamos a não nos importar com o mundo exterior, mas decidi que se vou arriscar minha vida nos ermos de Agartha gostaria pelo menos de uma refeição civilizada antes de partir. Creio que um bom peixe com verduras e hidromel de qualidade não seria pedir muito.

A cidade é pequena em comparação à outras que visitei, mas é maior que a maioria das vilas próximas daqui, mas o comércio é fervilhante em especial pelo delicioso carapau abundante na região. No porto, pescadores vendem o resultado de seu trabalho a preços módicos, quase ridículos.

Vou a um deles e peço um belo carapau. O homem, baixo, troncudo e com cerca de quarenta anos, sorri com os poucos dentes que possui e aponta um peixe de considerável tamanho. Seu agarthiano é engastado e corrido, daqueles que se perde quando não prestamos atenção. Com uma faca velha e bem afiada o homem começa seu balé, rasgando o couro e eviscerando o pobre peixe com destreza sobrenatural. Cada passada de faca, um pedaço do peixe voa para um balde de madeira. Um corte, uma víscera voa. Outro corte, mais um pedaço vai ao balde. É hipnótico e simples.

Mas o que vejo? Uma pequena mãozinha? Mas que diabos...

A criaturinha me olha. Pelo verde-esmeralda brilhoso e oleoso, olhos vermelhos como sangue, garras e dentes afiados e finos. Ele me encara. Eu encaro de volta. O homem para de cortar e me encara com medo. Sei o que é aquilo, um diabrete-verde, uma espécie de primata que adora peixe, mas que muitas pessoas vêem o animalzinho como portador de mau-agouro e o matam assim que o vêem. Vejo uma gota de suor diferente em sua têmpora. Dou um sorriso de canto de boca e uma piscadela. Não acredito que animais dêem má sorte e além disso, fazer alarde só faria com que o pescador fosse perseguido pelas autoridades eclesiásticas da cidade. Não haveria grandes problemas legais, mas faria que o homem perdesse clientes e não me sentiria confortável em saber que tirei o pão da mesa de alguém. Ele me cobra uma peça de cobre. Dou-lhe três – e não se assuste, paguei muito menos do que pagaria no grande mercado – e digo para ter mais cuidado com o macaquinho. Ele sorri e me dá algumas dicas de como assar o peixe com coco e açafrão. Aperta a minha mão e pede a santa Daoid que me abençoe onde for. Eu agradeço, embora fique tentado em dizer que adoro velhos deuses.

*****

Porto Santa Daoidh foi fundada a cerca de sessenta ou setenta anos. Primeiro veio o farol, uma demanda de pescadores ao lorde local. Depois a Torre do Desvelo, a igreja de Gaia e uma família nobre local. Pescadores e agricultores vieram depois, assim como alguns soldados da velha guerra que fizeram desta terra seu lar. A Igreja dos Santos chegou depois, pois aqui teria sido o local de nascimento de uma selkie que até o fim de sua vida guiou barcos para longe das pedras afiadas e dos corais assassinos.

Ao contrário de muitas cidades, em Santa Daoidh a fé dos santos e a velha fé não são rivais, mas organizações que se ajudam mutuamente, fazem celebrações conjuntas e se ajudam financeiramente quando podem. Gaia é rival de Perún, senhor dos mares, e parece que a tal Santa Daoidh também não gosta muito dele... e veio desta junção a missão que me colocará na estrada.

Fiz o peixe como o pescador me ensinou, gastei umas boas peças de prata em uma garrafa de hidromel lemuriano e me reunia com meus irmãos e mestres para a refeição quando meu contratador chegou: Alvo Albano, nobre local descendente dos primeiros homens a cantar esta terra. Eu o acho um sujeito desprezível, mas meu mestre confia nele, e isto me basta. Ele entra ruidosamente envolvido em uma capa de pele de lobo gordurosa e velha. Outras duas pessoas o acompanham, uma mulher mais forte do que as outras que já vi e um homem baixo e magro, com um sorriso obsceno e olhar nervoso, como vários que eu já vi.

O homem se senta sem convite, servindo-se com hidromel e comida. Dou-lhe um golpe com uma colher de pau nas costas da mão e o encaro sem medo. Tiro-lhe o copo e sirvo o mais velho dos mestres da torre. Todos me olham, mas ninguém ousa dizer nada. A mulher corpulenta solta um risinho.

_Vejo que seu pupilo é corajoso, Varegue, o velho – diz Alvo a meu mestre – Isto é bom! Sei que ele não irá desistir.

_Os jovens são assim Alvo – responde despreocupadamente meu mestre – é bom que nos acostumemos. São novos tempo.

_Bem, bem... só vim lembrar a vocês que amanhã é o dia da partida. Ao nascer do sol.

_O jovem Varegue está ciente Alvo. Não se preocupe.

Após as palavras do mestre e encaramos o nobre em silencio. Ele ensaia algumas palavras mas elas morrem antes de nascer – algo que chamamos de “Grande Silêncio”, um ato intencional feito para deixar pessoas que não desejamos em nosso convívio envergonhadas ou deslocadas – e tão ruidosamente como chegou o homem se levanta e deixa o recinto com seus companheiro. Voltamos a beber e comer, contamos piadas e recebo desejos de boa sorte, seis moedas de prata, uma capa de lobo, uma pequena espada e um pouco de comida seca.

Acordo cedo, tomo um banho de purificação, realizo os rituais necessários e irmã Aira me ajuda a carregar um sigilo. Todos os mestres e meus irmãos e irmãs me esperam nos portões da torre. Caminho em silêncio com mestre Varegue, o velho até o ponto de encontro onde as duas pessoas da noite anterior me esperam montados em seus cavalos. Um baio selado me aguarda e minhas coisas são jogadas nas costas de um burrico. Varegue, o velho me abraça e com lágrimas nos olhos pede para que eu fique bem. Espero ter a chance de vê-lo mas uma vez, ele diz. Eu apenas sorrio e digo que nos veremos em breve. Monto no cavalo e olho uma última vez para o frágil e sábio homem.

É o início de minha viagem.

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Porto Santa Daoidh
Atributos: Defesa: 10 (+0), Cultura: 11 (+0)(Torre do Desvelo), Religião: 10 (+0), Tamanho: 9 (+0), Economia: 10 (+0), Arquitetura: 9 (+0).

Localizada ao sul da Arcádia, Porto Santa Daoidh é uma pequena cidade pesqueira com poucos atributos para aventureiros além de ser um ponto de descanso entre uma aventura e outra. A cidade foi fundada por um grupo de pescadores e agricultores e hoje possui pouco mais de mil habitantes. Seu nome é uma homenagem à Daoidh, uma selkie que durante muitos anos avisou os capitães dos barcos com seu adorável canto e impediu o naufrágio de dezenas de barcos. Composta por casas simples, feitas de madeira e pau-a-pique, a cidade possui apenas uma taberna e três prédios de tamanho considerável: o palácio do lorde local – Alvo Albano, um homem covarde e de pouca honra –, o palácio da justiça, onde a guarda da cidade faz seu lar e presídio local e a Torre do Desvelo, uma escola de magia famosa da região e em cidades vizinhas.

A entrada da cidade é coroada com uma enorme estátua feita em madeira da santa, colocada em uma ilhota pedregosa que serve de lar para mais de uma colônia de focas. Orcas e jubartes também costumam ser vistas em suas águas, assim como a maior fonte de renda da região: o carapau, um enorme e carnudo peixe, abundante nos mares de Santa Daoidh.

Os bosques que circundam a cidade são o lar de lobos, ursos, cervos, javalis, uma enorme espécie de biguá e dos diabretes-verdes, pequenos símios outrora abundantes na região, mas que hoje são caçados como animais de mau-agouro.

Entre as possibilidades de aventuras na região temos algumas cavernas costeiras, dois grandes navios naufragados e um bosque com inúmeros esqueletos de baleias.

Os atributos da cidade seguem as regras apresentadas em Criando Cidades para seu RPG como se fossem personagens!, disponível AQUI.

A Ordem do Desvelo (Ordem de Magia)
Lema: “Arcana Morietur” (Segredos Morrem);
Brasão: Uma torre negra sobre uma estrela branca;
Líder: Varegue, o Velho (Humano Mago 10, Leal);
Territórios: Porto Santa Daoidh, Arcádia;
Aliados: Nenhum;
Inimigos: Nenhum.

Lealdade: 14 (+2), Recursos: 7 (-2), Influência: 7 (-2) (14 (+2) em Porto Santa Daoidh), Fama: 8 (-1) (15 (+2) em Porto Santa Daoidh).

A Ordem do Desvelo é uma pequena escola de magia do sul da Arcádia. Seus rituais e conhecimentos são bastante comuns, seguindo ritos comuns de outras escolas de magia e é composta por pouco mais de trinta ascetas, sendo conhecida por seus mapas constelares extremamente precisos e a produção de sigilos de localização.

Os atributos da organização seguem as regras apresentadas em Destilando Conceitos: Ordens e Famílias para seus jogos, disponível AQUI.

Diabrete-Verde
Tamanho Miúdo Habitat Montanhas e Florestas

Encontros 1d6 | Prêmios Nenhum | XP 50 | Movimento 9 metros | Moral 8
For 8 | Des 16 | Con 10 | Int 2 | Sab 14 | Car 8
CA 17 | JP 15 | DV 1 (5/8)

Diabretes Verdes são símios que vivem nas florestas ao sul de Arcádia. Eles são pouco maiores que um gato, com pelagem verde e olhos avermelhados. Durante muito tempo estas criaturas foram tidas como mais um habitante das florestas, mas em algum momento passaram a ser vistos como portadores de mau-presságio.

Diabretes Verdes adoram carne de peixe, mas são frutívoros na maior parte do tempo ou quando encontrados longe de aglomerações humanas.

Ataques: 1 mordida +3 (1d4)
1 garras +3 (1d4)

Mau Olhado: As lendas dizem que um diabrete-verde pode causar azar. Embora seja um animal frágil, a visão deste animalzinho pode trazer medo aos mais crédulos. Ao ver um diabrete verde, um personagem deve realizar um teste de Inteligência. Qualquer valor acima de “10” faz com que ele se lembre de alguma lenda ou conto sobre os diabretes verdes e deve passar em uma Jogada de Proteção de Sabedoria para evitar que fuja de medo.

Superstição: Se você está usando o suplemento Senhores da Guerra de Rodolfo Maximiano, considere que a visão de um diabrete verde aumenta a pilha de mau-presságio em 1 ponto. Caso uma bruxa ou druidisa acompanhe o grupo, pode ser feito um teste (Sabedoria ou Carisma) para interpretar o sinal como um bom-presságio, aumentando sua pilha em 1 ponto. A dificuldade do teste dependerá do moral da tropa.

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